A chuva cai em Pequim sem dó nem piedade. No parque Jingshan, a julgar pela expressão de espanto dos habitantes que olham para ambos os lados à espera que surja alguém a vender chapéus para os protegerem das gotas bem grossas que em instantes lhes encharcam a roupa, ninguém estava à espera que, no pico do Verão, houvesse lugar para um oásis de inverno. Na interminável escadaria coberta pelo manto verde, que mais parece que nos leva para o céu, uma pequena multidão apressa o seu passo para atingir o templo em busca da sua salvação perante a intempérie que aqui se instalou, procurando o abrigo que o edifício lhes proporciona. Por milagre, há lugar para todos.
A vista é soberba. Em frente desta massa humana, que está virada para sul, estende-se o outrora coração do império celestial, a Cidade Proibida, o ponto onde todos os caminhos da China vão dar. No emaranhado de telhados ondulados, vislumbro o topo da Pavilhão da Harmonia Suprema, o ground zero a partir de onde o Imperador ditava os destinos do seu império. Turistas chineses apinham-se e acotovelam-se para conquistar o espaço vital para a sua selfie com este cenário como pano de fundo.
Deixo-me levar pelo magnetismo que me empurra para a avenida principal da cidade, a Dongchang’an. Daí, é um instante até chegar à famosa porta da Cidade Proibida com o retrato do que foi o imperador vermelho que deu ao país uma nova ordem política, social e económica. Aqui, todos querem fazer a sua selfie, ou a foto de família e assim ficar para a posteridade junto daquela imagem como filhos junto do velho ancião com ar paternalista. Ele é o centro das atenções. As câmaras fotográficas e telemóveis procuram-no e fazem aquilo que, para alguns que vêm dos confins do país, é o instante de uma vida.
As medidas de segurança são apertadíssimas. Qualquer mochila tem de passar por um raio X para impedir que algum objeto cortante, ou mesmo explosivo possa aqui aceder, mas um sorriso e a minha cara de ocidental facilitam a vistoria. Do outro lado da enorme avenida onde se fazem as famosas paradas militares, a mesma onde ocorreram alguns dos mais marcantes episódios da revolta estudantil que foi violentamente abafada pelo governo em 1989, situa-se a Praça Tiananmen. Ao fundo, encontra-se o mausoléu de Mao, um espaço gigante inundado de flores frescas que uma fila contínua de chineses mais devotos aí deposita.
Ao longo desta viagem, fui ouvindo este povo a falar, umas vezes quase às escondidas, outras, abertamente em praças ou transportes públicos, sobre a figura do “Grande Timoneiro”. “Mao? Ah! cometeu imensos erros, e prefiro nem falar da revolução cultural!” diziam-me com a maior naturalidade. Mas, de seguida, contrapunham: “Ele pode ter sido o que foi, mas é a nossa referência. É como um pai para nós”. Veio-me à ideia aquelas famílias em que se diz que, apesar de ter sido um bom ou mau pai, não seixa de ser um pai e, como tal, deve ser respeitado. E Mao continua a vender, seja nas imitações do pequeno “livro vermelho”, já traduzido para inglês, bem como em adereços de moda que não deixam de ficar em voga. Com, ou sem conteúdo, Mao é uma estrela chinesa, talvez a maior que ondula na sua bandeira nacional.
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