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A vivência em aldeias na Serra da Lousã

Situada no sopé da serra, com uma beleza natural incomparável, a sua terra, a Lousã, era alvo de um sentimento especial que Daniel não esqueceu.
Na montanha “tutelar”, na matiz da sua paisagem, não passava despercebido o arvoredo batido pelo vento, murmurando para as águas cristalinas que corriam no sentido da ribeira, ao longo da qual se distribuíam três ou quatro dezenas de pequenas azenhas, com as mós em constante rodopio e que mãos experientes controlavam para obter vários tipos de farinha, consoante a sua aplicação. Era ali que moleiros e moleiras permutavam a farinha com o cereal, milho e centeio, à custa da maquia que os fregueses da vila ou mesmo da serra confiavam. Não era tarefa fácil, moleiros e moleiras subirem e descerem a ribeira, trazendo o cereal e levando a farinha. Faziam-no através de acessos difíceis, com sacos carregados sobre as costas e muitas vezes com a ajuda de machos, animais adaptados àqueles caminhos. Em noite de romaria e em noite de serenata, cantava-se às moleiras algumas quadras alusivas às suas tarefas.
“Que lindos olhos tem, a filha da moleirinha, mal empregada é ela andar ao pó da farinha. Andar ao pó da farinha, andar ao pó da geada, mal empregada é ela, há-de ser a minha amada”.
Quanto aos habitantes das aldeias serranas, cujas acessibilidades deixavam muito a desejar, calcorreavam carreiros, desciam e subiam montes, quer para comercializarem carvão, castanhas, mel, quer para levar algum produto de necessidade que encontravam na vila, principalmente em dia de mercado.
Junto às aldeias, fazia-se uma agricultura de esforço. Os terrenos eram inclinados e divididos em pequenas querelas, separadas com muros de xisto, o que justificava, na época das sementeiras, que a pequena camada de terra, arrastada pelas chuvas, tinha que ser espalhada à força de braços de mulheres e homens que a natureza não esqueceu.
Mas o povo da serra, não obstante as limitações de vária ordem, era alegre, esquecendo, durante as festas, algumas amarguras da sua vivência. Assim, os bailes efetuados na eira comunitária juntavam tocadores de concertina, alguns vindos de outras aldeias. Da Vila, com o respetivo farnel, partiam pequenos ranchos, calcorreando caminhos difíceis de percorrer.
Com vista a participarem no bailarico e conviverem com gente simples da serra, mas também da Vila, Daniel e amigos não se faziam rogados. Irreverentes mas respeitadores, dançavam o vira, o fado mandado, a farrapeira, o verde gaio e outras modas em que cantadores e cantadeiras se desafiavam mutuamente, quer com versos improvisados, quer com quadras alusivas a diversos aspetos, nomeadamente à emigração para o Brasil e Estados Unidos da América, em que um ou outro serrano apostava para tentar melhor vida.
Era neste contexto que, ao som das concertinas, se cantava a partida de um familiar, de um amigo, como por exemplo: “O meu amor não está cá, quem me dera agora vê-lo. Eu hei-de ir para o Brasil, nas ondas do teu cabelo”.

João Silva

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Autor: Carlos A. Sêco

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