Para João Pereira, presidente da Junta de Freguesia de Serpins, o incêndio de 15 de outubro foi um “fenómeno indescritível, humanamente impossível de atacar”, ressalvando que houve, apesar de tudo, uma “relativa sorte em relação aos prejuízos humanos” por não se terem aqui contabilizado nenhuma vítima mortal. Sublinha que, dadas as características desta tragédia, “não se pode imputar culpa a quem quer que seja”. Um mês depois desse dia fatídico, aqui fica a entrevista ao Trevim
Qual o impacto que o incêndio terá nos baldios da freguesia, tendo em conta que são uma fonte relevante de financiamento para a Junta?
Registaram-se imensos prejuízos nos baldios à semelhança do resto da freguesia, mas não significam, para a Junta em si, um prejuízo considerável. Os baldios em Terra da Gaga, Fonte Fria, Vale de Madeiros têm um contrato na maioria do espaço de 150 hectares com a Soporcel, pelo que os prejuízos não nos dizem respeito. Quanto aos baldios da Boavista, estes não sofreram nada. No Vale da Ursa, os prejuízos diretos da Junta de Freguesia foram maiores, tendo ardido árvores, pinheiros e eucaliptos. Vale da Ursa foi o ponto negro de prejuízos diretos. A Mata do Sobral, é uma dor de alma para a nossa freguesia e concelho ver aquilo completamente derretido. Era classificada como reserva ecológica, com espécies autóctones muito diversificadas, com uma extensão de cem hectares de sobreiros, medronheiros e azevinhos. É de ficar a olhar para aquilo com uma dor imensa. Agora, pretendemos reformular a candidatura que já tínhamos aprovada para a erradicação de espécies exóticas.
Pondera proceder à implementação de alguma cintura de proteção à volta de zonas urbanizadas junto à floresta com espécies autóctones de difícil combustão como carvalhos, sobreiros, castanheiros, entre outras espécies?
É preciso pensar com alguma maturidade, com um cuidado muito extremo, especialmente onde houver instalações industriais ou habitações. No caso do Vale da Ursa, que são cerca de 40 hectares, está considerado para a zona industrial de Serpins. Tem de se saber o que vamos delimitar para investimento em instalações industriais e o que fica para zona florestal. É preciso ver que as folhosas precisam de terreno propício para se desenvolverem. É preciso fazer uma análise aos terrenos para ver o que podem suportar, mas de maneira que seja tudo menos eucaliptos ou pinheiros, a não ser que sejam pinheiros mansos, que dão fruto, o pinhão, que se pode redimensionar, que se pode regar e cultivar. E mesmo o pinheiro bravo, se for bem redimensionado, fora dos aglomerados urbanos e com essa proteção, pode também ser algo a considerar. Agora, o eucalipto é que pode ser totalmente dispensado. Fiz há um tempo uma candidatura que agora poderá ser usada para reflorestar o vale da Fonte Fria. Nos 40 hectares que aí estão reservados, não vai haver plantação de eucaliptos, à semelhança do que estabelecemos para Vale da Ursa.
Que garantias pode dar no futuro para que este tipo de situação não volte a acontecer?
Eu, pessoalmente, não posso dar garantia nenhuma. Nós fazemos muito mal à natureza e depois ela vinga-se muitas vezes. Temos de proceder ao corte de algumas árvores para dar distância de segurança na zona industrial. Agora está tudo queimado e dentro de cinco ou seis anos não haverá fogos. Mas uma zona industrial pressupõe que a área esteja limpa de arvoredo. Mas às vezes, fazer aceiros ou limpar os terrenos é um pouco falacioso. Não é tão garantido que os aceiros possam reduzir o avanço do fogo, tendo em conta o vento que se fazia sentir.
E o resto do concelho?
Essa questão não se pode colocar a nível de uma zona estrita. Tem de ser ponderada, analisada e estudada a nível nacional e essas diretrizes é que devem dizer e concretizar como, quem e quando se devem fazer essas coisas. Não pode ser a Junta de Freguesia a decretar que agora todos os indivíduos da freguesia cortem os seus pinheiros numa distância de cem metros da estrada ou dos passeios.
Sabendo que as autarquias têm competências sobre as coimas a aplicar, e sobre o seu valor, admite alguma concertação entre a Junta de Freguesia e a Câmara Municipal no sentido de, nos terrenos que, após notificação, continuam a não ser limpos, lá chegar uma equipa da autarquia, ou uma empresa privada para o fazer, tendo depois os proprietários de pagar a fatura, ou também de apontar uma multa para essa pessoa pagar?
Isso é uma tarefa que não pode ser desenvolvida a nível local, apesar de poder ser complementada, porque se não se fizer nenhuma reestruturação em condições da nossa floresta, é muito difícil conseguir-se fazer alguma coisa nos meios mais pequenos. Não são essas as atribuições das juntas de freguesia nem das câmaras andarem a fazer esses serviços, pois assim não faziam mais nada. A dificuldade para aplicação de coimas é não se conseguir saber quem são os responsáveis, por não haver cadastro geométrico, havendo apenas identificação da matriz, já atrasada cinquenta ou mais anos, e isso é muito complicado.
Continua na edição impressa do Trevim nº 1366
0 Comentários