Percebe-se a ansiedade da noite mal dormida, sempre a olhar para a luz ténue do telemóvel que indica as horas num movimento quase pendular que fui fazendo a partir da madrugada. Pelas oito e pouco da manhã tinha de apanhar um autocarro que me transportaria numa viagem de mais de duas horas rumo a Jinshanling para, longe dos circuitos mais turísticos, longe das multidões, poder fotografar a Grande Muralha da China como ela deveria ser retratada, mantendo a sua imponência, dignidade e misticismo. É uma experiência obrigatória para quem visita este país contemplar a obra colossal que se vê do espaço, que se estendeu por 21196 quilómetros de extensão. Evitava assim as hordas de turistas que eram encaminhadas para Badaling, um trecho localizado bem mais perto de Pequim, no ponto escolhido para fazer a foto junto de tantos outros que, avolumados, mais parecem um exército munido de selfie-sticks em vez de espadas ou lanças num combate contra um inimigo invisível.
O metro da capital é um monstro em hora de ponta. As linhas multiplicam-se e o tempo desdobra-se numa amplitude a que, na minha escala ocidental, não estou habituado, e acabo por chegar à estação de autocarro mais tarde do que era suposto. Mas esqueci-me que estava na China e que, aqui, tudo o que diz respeito a negócios que envolvam pessoas, consumidores, tudo é feito a multiplicar, daí que haveria mais transportes do que estava à espera. Abandono a capital pasmado com a quantidade de infraestruturas que estão a ser construídas ao mesmo tempo, a um ritmo que me impressiona, apesar de já ter uma noção do crescimento económico que esta potência industrial tem levado a cabo nas últimas décadas. Autoestradas, pontes e prédios surgem do nada como cogumelos na sua época alta.
Sou deixado junto a uma área de serviço, no vale de uma zona montanhosa coroada pela enorme serpente de pedra que os imperadores chineses mandaram erigir há mais de dois mil anos. Ninguém fala inglês para me indicar o caminho para lá, à exceção de um taxista que me quis oferecer os seus préstimos a um “preço de amigo” a que rapidamente percebi a inutilidade do serviço que me estava a impingir, bem como no seu “xico-espertismo”, e logo ali lhe fazendo ver que não me iria levar a melhor, pagando-lhe algo pelo seu tempo gasto, mas pouco mais. Exaltou-se, mas de pouco lhe serviu pois ficou a falar, aliás, a praguejar sozinho.
A subida faz-se por teleférico, rumo aos céus onde parece, ao longe, que as torres mais altas quase tocam, roçando por vezes as pontas das árvores que dão volume às montanhas que são a base desta fortaleza que era vista como inexpugnável. Nos quilómetros que caminhei ao longo do dorso da fortificação, não cheguei a contar duas dúzias de pessoas. Senti-me como se fosse só eu, a muralha e a paisagem envolvente, uma vegetação que avançava pelo horizonte dentro, por onde se perdia de vista a linha da grande construção que é o orgulho de um povo.
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