É um dos rostos mais conhecidos dos miúdos e graúdos de todo o país. O Trevim esteve à conversa com Carlos Alberto Vidal, o alter-ego do Avô Cantigas que está prestes a completar 50 anos.
Entrevista por: Carlos Sêco

Trevim – que recordações é que guarda do dia em que, com seis anos, cantou “A Procissão”, de João Villaret, numa festa de Natal da Companhia de Papel do Prado?
Carlos Alberto Vidal – Esse momento é de facto importante para mim, porque eu viria depois a seguir uma carreira ligada à música a cem por cento e essa atuação, ainda que fosse só como intérprete. Pode dizer-se que foi aí que começou a exposição daquilo para o qual eu tinha nascido, que é a música. Eu costumo referir esse momento como uma estreia em palco. Nessa altura, eu não sonhava, nem tinha perspetivas algumas de ser aquilo que vim a ser. No entanto, o gosto pela música já estava ali a marcar presença que é fundamental nas escolhas da vida. Comecei com esta queda para a música e um certo à-vontade para subir para cima de um palco e foi a cantar “A procissão”, do João Villaret e do António Lopes Ribeiro. Nessa mesma festa, recitei um outro poema de João Villaret chamado “A Casa Portuguesa”. Foi um momento de recitação. Aquilo eram récitas de Natal, numa festa grandiosa. A Companhia de Papel do Prado tinha centenas e centenas de operários e, se juntarmos o resto das famílias, era um ponto de encontro muito importante. Tudo isto terá acontecido no Natal de 1960. Foi para mim uma atuação memorável, porque tenho perfeitamente a memória do quanto ela correu bem.
Como foi a sua infância na lousã e que amizades ainda guarda desse tempo?
A infância foi boa. Os meus avós viviam junto à Fábrica de Papel do Prado, num lugar chamado Espandior. As pessoas mais antigas lembrar-se-ão. As casas já lá não estão e foram construídas outras estruturas no local. A minha infância passou muito pela casa dos meus avós, porque eles viviam a dois passos da Serra. Eu corria durante trinta segundos e estava dentro da Serra, por entre aqueles carreiros acima que iam dar à Nossa Senhora da Piedade e que eu conhecia de cor. Eu fazia isso cavalgando, em cima do meu cavalo imaginário. Era na Regachina que nós iniciávamos a subida do rio até ao castelo. Essa subida do rio que eu fiz durante a infância, fi-la depois com os meus próprios filhos. É uma zona da nossa Serra da Lousã que não está propriamente nos mapas turísticos.
A Lousã corre-lhe nas veias?
O meu pai, Carlos Filipe era de Vale de Maceira e conheceu, namoriscou e casou com uma rapariga da Lousã que é a minha mãe, Maria Emília Vidal. Eu nasci no Hospital de São João. O meu pai, na Lousã, tinha o Café Beirão, no fundo da vila, na Rua Dr. Pires de Carvalho, onde eu vivi. No que toca a amizades, quando ainda hoje vou à Lousã, volta e meia, cruzo-me com antigos amigos desses tempos de infância e, em vez de um fugaz “olá! Tudo bem?”, ficamos ali, muitas vezes, em bonitas conversas à volta de um café ou de uma mesa de bilhar em cafés que eu penso já não existem. Tenho memórias de jogar bilhar na Leitaria Central ou no Café Império, já eu vivia em Cascais. Esse contacto ainda se mantém.
A família mudou-se depois para Cascais…
Eu fiz a Escola Primária toda na Lousã, bem como uma parte do Liceu e terá sido com 11 ou 12 anos que nos mudámos de armas e bagagens para Cascais. Nessa decisão do meu pai, eu fui visto e achado. Ele pensou para mim, obviamente, um futuro melhor e com outros horizontes. Na altura, não acredito que eles imaginassem que iria dar no que deu: a carreira de músico, com o Avô Cantigas, como figura principal e prestes a fazer 50 anos.
É mais conhecido pela sua carreira no papel do Avô Cantigas. No entanto em 1976, com o nome de Carlos Alberto Vidal, lançou “Changri-Lá”, um álbum que é considerado um marco no campo do Rock Progressivo feito em Portugal. Se o Avô Cantigas não tivesse sido um êxito, o Carlos Alberto Vidal seria hoje o equivalente aos Xutos & Pontapés?
Não, porque depois do “Changri-Lá”, ainda passaram muitos anos até surgir o Avô Cantigas. Eu fui sempre bastante diversificado. Isto não aconteceu porque eu o tivesse determinado, em termos de escolher um trajeto para uma carreira. Não. As coisas foram-me acontecendo na vida. Eu gravo o primeiro disco em 1973, com alguns temas perfeitamente enquadrados na chamada música popular, em que eu tenho algum sucesso e sou acarinhado pelo público. Quando gravo o “Shangri-Lá”, cerca de quatro anos depois do primeiro disco, esse trabalho não tem absolutamente nada a ver, em termos musicais, com o espírito e o estilo dos primeiros discos. E os trabalhos que se seguem a “Shangri-Lá” também não. Há uma mudança radical que não é pensada.
Porque é que aconteceu este trabalho tão diferente do resto da sua obra?
Foi uma necessidade, porque na minha adolescência, já em Cascais, musicalmente, estive sempre ligado à música anglo-saxónica. Era o que nós ouvíamos. Eu sentia-me, enquanto músico, com habilidade de sentir, cantar e compor algumas músicas que pudessem sair da estrutura mais ou menos instituída do que é uma canção. Havia outras maneiras de mergulhar na música e ainda hoje sinto-me capaz de fazer isso. Depois do “Changri-Lá”, eu virei um artista pop, embora tenha tido sucesso com a “Cantiga do Chouriço”, um tema popular, além de ter participado em vários festivais da canção.
O Avô Cantigas já pisou muitos palcos e até já virou personagem de animação em 3D. O que falta fazer a esta figura nascida em 1982, no célebre programa “Passeio dos Alegres”?
Eu não sou um grande sonhador. Às vezes, com pessoas mais chegadas, em conversas que temos, fala-se do quanto eu poderei ter desperdiçado algumas oportunidades ou comportamentos que me poderiam ter levado a ainda mais sucesso ou a conseguir isto ou aquilo. Sempre fui deixando que acontecesse aquilo que tem acontecido. Uma coisa me daria muito gosto se acontecesse: um programa de televisão com o Avô Cantigas, mas não é fácil. Já tive essa oportunidade no programa “Vitaminas”, com a Sofia Sá de Bandeira.
Alguma vez pensou que o Avô Cantigas, ao fim de quase 40 anos, já não precisaria de se caraterizar?
Não pensei nisso durante 10, 15, 20 anos, porque eu punha a minha cabeleira e pintava o meu bigode. Não pensava: “será que um dia vou ser mais velho e fazer isto de um modo muito mais simples?”. De há uns 10 anos para cá é que comecei a pensar nisso, numa altura em que deixei de usar a cabeleira. Eu hoje canto para os filhos dos meus netos de há 40 anos. Quando surge o “Fantasminha Brincalhão”, foi um reforço extraordinário que ainda me ajudou até aos dias de hoje. Isto é sempre a somar desde que começou. Por isso é que vou gravar mais um CD.
O que é que o Avô Cantigas nos pode contar sobre o seu novo disco?
Para falar do meu novo disco, tenho de falar de dois trabalhos. Isto porque saiu agora “Salsifré das Galinhas” e que já está disponível no Youtube. Não temos tido muito a oportunidade de o promover, um pouco por causa de tudo o que está a acontecer. Logo que possamos retomar os espetáculos, é esse trabalho que vamos apresentar. Independentemente disso, tenho como projeto um disco de originais para 2022. Ainda estou numa fase de composição muito inicial. Depois teremos de ir para estúdio e vamos fazer isto paulatinamente. É um projeto para ser apresentado no verão ou em setembro/outubro e que depois vai estar em força no Natal.
Podemos contar com um concerto na Lousã?
Já atuei várias vezes na Lousã e fica o meu agradecimento à Câmara Municipal, que se tem lembrado de mim com alguma frequência. Foram espetáculos que me correram de forma maravilhosa.
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