José Oliveira
Vivemos desde ontem tempo de cinzas, que é como quem diz: passaram os dias do regabofe carnavalesco. E eu gostaria de pegar na retórica da imagem, transpondo-a para a vida prática do dia-a-dia, não resistindo a recordar que já sofremos tempos de cinzas desde Junho, cinzas renascidas em Outubro, trágica repetição que já tantas vezes aconteceu, embora desta(s) vez(es) tenha atingido uma dimensão dantesca. São repetições que encarnam a lendária Fénix, ave da mitologia grega que morria em autocombustão para renascer das suas próprias cinzas, e assim sucessivamente, como se o fogo sendo a causa da sua morte, fosse ao mesmo tempo a origem da sua vida.
E tem de ser assim? Eternamente? Não tem. É imperioso e urgente que os dirigentes da nossa vida social e política ponham as mãos no fogo por esta inevitabilidade: não pode haver mais incúria na manutenção dos territórios nem continuação da desertificação do interior. Nem mais desordem no planeamento florestal. Nem mais condescendências perante as ilicitudes dos negócios do fogo, sejam eles a venda de equipamentos em situações dúbias, os contratos chorudos do combate aéreo ao fogo, o negócio das celuloses que, alheias aos malefícios do eucalipto, fomentam a sua multiplicação a todo o custo (secam os solos, propiciam a propagação das chamas, desertificam o território, tanto de espécies vegetais como animais). Quando assistimos a efluências de esgotos para o Tejo, da responsabilidade de indústria de celulose, efluências que ultrapassam em cinco mil vezes o potencial de malefício tolerável, também aqui temos o eucalipto no fulcro da questão.
Os tempos de agora têm de ser de mudança. Mas mudança mesmo, não apenas tempos de palavras que o vento e o esquecimento levarão. Disso, palavras sem consequências, já estamos fartos. E também nós, cidadãos, teremos de nos empenhar assumindo as responsabilidades que a cada um cabe, cuidando, individualmente ou associados, de cada metro quadrado de nossa propriedade. Não exclusivamente numa perspectiva de ganho imediato, mas também criando agora o aforro de nossos filhos ou netos.
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