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São João: do passado aos nossos dias

É preciso recuar-se até 23 de maio de 1537, para se ouvir falar do São João na Lousã. Foi nesse dia que El-Rei D. João III assinou um documento, dando licença para efetuar o Bodo (festim de comer que se fazia nas igrejas com muita solenidade e onde comiam pobres e os irmãos da irmandade) em dia de São João e onde indica que um quarto das esmolas é para a construção da capela com o nome do santo. Segundo José Manuel Almeida, este evento é “a mais remota Feira de São João”. Este investigador com obras publicadas sobre a Lousã dá ainda como “certo que há quase cinco séculos que a Feira de São João se comemora com contínua regularidade” e com caraterísticas próprias.

Pedro Malta, por sua vez, num artigo publicado no Trevim, em 2002, recorda que “por ocasião da feira, havia o costume de se realizar uma romaria à capela de São João – a construção mais antiga, datada do século XV, situada no penhasco de Nossa Senhora da Piedade. Dos que chegavam de véspera, havia quem praticasse o chamado “banho santo”, ou fosse em mergulhar na poça que a Ribeira formava logo depois de saltar sobre o açude dos moleiros, exatamente no local onde hoje foi construída a piscina”.

O Jornal da Louzã, datado de 1895, é outro dos documentos que dá conta do “Programma dos festejos a S. João e ao Santíssimo Sagrado Coração de Jesus”, com procissão, iluminações, fogueiras e danças populares em diferentes pontos da vila. Alude ainda à feira anual organizada por uma comissão de comerciantes e industriais, “sempre das mais concorridas e abundantes da província, em gados, panos, oiro, quinquilharias, cereais, frutas e legumes”, sem esquecer “os bazares e barracas de divertimentos”. Merecem igualmente destaque os “esplêndidos e variadíssimos fogos de artifício no aprazível e vasto local do Regueiro”.

Ainda neste ano, os festejos terminaram com “uma corrida de velocípedes com saída pela estrada de Coimbra, dando a volta pelo Freixo e Vilarinho ao Regueiro”. Mas o que mais deve ter divertido foi a “corrida de jericos (burros), de peões em liberdade e dentro de sacos”. E em dia de festa, mesmo antes da récita no teatro, ninguém deve ter perdido pitada da “corrida de mulheres com cântaros à cabeça”.

No tempo das fogueiras

Álvaro Viana de Lemos, no seu livro “A Lousã e o seu concelho”, rememora “os descantes mais típicos” que “eram os da madrugada e noite de S. João com ranchos que iam à Sr.ª da Piedade, que lá dançavam e à ida e à volta pelo caminho cantavam modas de sabor popular”. Refere ainda as fogueiras do São João e do São Pedro que “foram outro condimento dessa festa rija para a população lousanense”. O professor descreve que “ardia um madeiro, longamente, com danças e cantos dos circunstantes”.

Na Travessa, Fundo da vila, Cruz de Ferro, Alfocheira, Cabeço da Forca, mas também na Serra, entre outros lugares, havia o hábito de acender fogueiras, mas acabaram por ser proibidas pela Câmara e pelos Serviços Florestais devido ao perigo de incêndio que representavam.

Em 1910, o jornal “Commercio da Louzã” noticiava a atuação do recém-criado Rancho das Tricanas da Lousã no pavilhão colocado na praça do Município.

A 19 de janeiro de 1911, através de uma deliberação camarária, o dia 24 de junho é considerado feriado municipal da Lousã. Nesse ano, a mesma publicação dá conta de uma Feira de São João “bastante animada”, com a atuação do rancho infantil da associação “Os Modestos”, tendo-se realizado “transações importantes”.

Os festejos vão decorrendo com brilho ao longo dos anos, até que, em 1936 e 1937, o movimento enfraquece, fruto da prosperidade e pujança do tecido comercial lousanense.

É por isso que em 1939 é constituída uma comissão para as “Festas do Concelho” de que faz parte Álvaro Viana de Lemos, entre outras individualidades. A câmara delibera criar uma feira de gados a realizar todos os anos no dia 24 de junho, com atribuição de prémios pecuniários.

Em 1941, o “Povo da Louzã” reporta que “o São João e a sua feira morreram” nesta vila, referindo-se às “gerações presentes” que “varreram da sua alma o sol da alegria” e “perante tanta indiferença, o São João e a sua feira passaram a uma vida aflitiva”. E alvitra: “e porque não se hão de congregar todos os esforços no sentido de novamente dar à feira de São João o brilhantismo do passado?”

Em 1945, nada parece ter melhorado, já que “mais do que nunca, esta feira se apresentou com um aspeto de decadência e desinteresse por parte do público que chega a ser aflitivo”, pode ler-se no jornal local. O único reparo positivo que é feito é à “marcha «aux flambeaux» (archotes) que os Joões lousanenses organizaram” e que “despertou as atenções”, ao mesmo tempo que “quebrou a monotonia geral.

Depois de atingir o seu apogeu durante a primeira metade do século passado, a Feira de São João está “ferida implacavelmente pelo rodar do tempo”, de acordo com um artigo publicado no “Povo da Louzã”, em 1961. Nesse ano, só tem lugar a feira, não havendo qualquer tipo de divertimento.

Nos anos que se seguem, voltam os festejos, mas há um decréscimo de atividade.

É preciso esperar pela Revolução dos Cravos, para que seja decidido restaurar a Feira Franca de São João no concelho. O que se verifica no ano seguinte, com a realização de bailes, atividades desportivas e marchas populares das freguesias. Em 1977, há a registar a abertura das inscrições para uma gincana de tratores, em que, de acordo com o edital assinado por Armando de Almeida Silva, a Câmara não se responsabilizava por nenhum acidente.

Nos anos 80, o São João ganha novo fôlego, com a realização do Torneio de Tiro aos Pratos, Concurso Hípico Nacional de Salto, Concurso dos Vestidos de Chita e Festival de Paraquedismo, entre outras atividades.

Nos anos que se seguem, o São João muda de poiso, passando a feira e os concertos a terem lugar no recinto do Parque Municipal de Exposições, inaugurado em 1999. E é nestes moldes que se realiza até aos nossos dias, com o desejo de que os festejos e a feira regressem em 2021.

Carlos Sêco, diretor adjunto do Trevim
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Autor: Jornal Trevim

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