O fino sabor de uma omelete sem ASAE

De pouco me serve abrir o vidro e tentar refrescar pois o ar condicionado do táxi teima em não funcionar ao longo de quase uma centena de quilómetros que me levam de Quchan para Bajgiran, a aldeia fronteiriça com o Turquemenistão. Repetem-se os campos com feno cortado, ainda à espera de ser enfardado. Já está assim garantida parte das provisões para alimentar o gado antes do violento Inverno que se avizinha, onde a neve é servida a rodos numa bandeja demasiado pesada para se suportar de ânimo leve.
À chegada, escasseiam soluções para dormir debaixo de um teto. Alguém percebeu a minha expressão de querer dormir, e apontou-me o caminho para o “Complexo Turístico do Município de Bajgiran”.
A porta de vidro está trancada. Espreito, à procura de algum movimento, mas aquele espaço degradado não me parece que esteja habitável. Chamo por alguém, com pulmões a meio gás por causa da timidez do momento, mas de resposta só recebi o meu eco a ressoar por aquelas paredes decrépitas. Quase a desistir, ouço passos a aproximarem-se, vagarosamente. Afinal havia por ali alguém, como se aquela estrutura de contornos museológicos tivesse levado uma descarga de um desfibrilhador e voltasse, por instantes, a dar sinais de vida.
O funcionário exigiu um preço estratosférico para a minha carteira. Tive de o rebater até chegarmos a um acordo e o pagamento foi feito em dólares, com duas notas amarrotadas com Lincoln a dar a cara. Mas depois de esfriarmos aquela primeira abordagem quase em regime de conflito declarado, Vahid convidou-me para jantar. Acompanhei-o até à cozinha e espantei-me com as condições em que se encontrava, que levariam ao êxtase qualquer inspetor da ASAE. Mas todo aquele lixo acumulado, ou a altaneira botija de gás junto ao fogão foram-me completamente indiferentes quando este rapaz abre uma caixa de ovos e, com os últimos que tinha, faz uma omelete que seria religiosamente partilhada pelos dois, com pão do dia anterior e sumo também oferecido a acompanhar. Tudo se desculpa perante a grandeza de um gesto assim, como ter ficado num quarto com uma cama desconfortável, sem higiene e sem cortinados, o que me obrigou a usar um cobertor para tapar a janela e assim não ter de acordar antes das cinco da manhã com o nascer do sol.
De pouco me serviu esse malabarismo pois acabei por acordar cedo, ao toque de caixa de uma ansiedade mais eletrizante que um café longo. Fiz-me à estrada e segui para a fronteira a pé. Meia hora depois, ouvia o carimbo a presentear o visto iraniano com a data de saída. O militar sorri e eu despeço-me dele com genuíno carinho, como se ele fosse a personificação deste país que tão bem me sabe acolher.
Sou atacado por uma estranha sensação de solidão no momento em que entro no território neutro que me levará às portas recheadas de arame farpado do Turquemenistão. Agora, o coração bate mais forte e o suor escorre mais pelo corpo quando avisto aquela bandeira esverdeada, a ondular em Gaudan.
– Já estou quase! – pensei para comigo próprio.

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