A quase centenária Gráfica da Lousã, onde foram compostas e impressas as primeiras edições do Trevim, de 1967 a 1970, vai encerrar portas ao fim de 92 anos de atividade.
Fundada em 1929 por Joaquim Duarte no carismático Bairro da Travessa, a Gráfica da Lousã nasceu para editar o jornal “Alma Nova” e, para além do Trevim, foi berço de publicações como “Diabrete”, “Notícias de Penela”, “Voz da Paróquia” e o jornal “Alvorecer” da escola preparatória da Lousã.
Para Natália Correia, atual proprietária, “não faz sentido continuar” depois da morte, em fevereiro deste ano, do seu dedicado funcionário José Lopes, que era também subchefe do Corpo de Bombeiros Municipais da Lousã.
António Paulo Martins, comerciante e marido de Natália Correia, comprou a gráfica em 2013 “para expandir o negócio” mas viria a falecer cerca de três meses depois de começar a trabalhar.
Para José Luís Duarte, filho de Joaquim Duarte, fundador da Gráfica da Lousã, “é triste vê-la fechar” mas “tudo tem um fim”. Enquanto proprietário do espaço onde funciona a empresa, que manteve até hoje a denominação social de “Joaquim Duarte e filhos”, José Luís Duarte, que foi um dos fundadores do Trevim, disse “que por agora fica fechado e depois se verá”. Ainda que possa “aparecer um comprador que ponha a gráfica a trabalhar”, não acredita que tal possa acontecer. “Já ninguém pega naquilo, a indústria tipográfica evoluiu de tal maneira que aquele processo que se fazia está completamente ultrapassado”, desabafou.
Questionado pelo Trevim sobre a possibilidade de o espaço vir a ter interesse museológico e sobre uma eventual aquisição de equipamentos, Luís Antunes, presidente da Câmara Municipal da Lousã, referiu que “é uma situação a ser analisada”. O edil, que reconheceu “a história e o significado da empresa”, afirmou não ter conhecimento oficial do encerramento, e só após essa confirmação “se poderá tomar uma posição”.
O legado de Joaquim Duarte
Joaquim Duarte, nascido em Vilarinho a 4 de janeiro de 1903, veio para a Lousã aos 14 anos para aprender artes gráficas na já centenária Tipografia Lousanense, onde trabalhou durante nove anos. No entretanto, conheceu figuras republicanas como José Maria Cardoso, advogado que foi Presidente do Centro Republicano da Lousã, o advogado Ulisses Cortês e Eugénio Amaro, proprietário agrícola, que propuseram a Joaquim Duarte uma sociedade para a criação de uma gráfica, com intenção de criarem um jornal com cariz republicano, que viria a ser o “Alma Nova”.
José Luís Duarte, filho de Joaquim Duarte, contou que naquele tempo, os sócios entraram com o dinheiro e o seu pai “com o trabalho e organização do sistema”. Tempos mais tarde, a Gráfica da Lousã passa a ter instalações na praça Cândido dos Reis, em frente à Igreja Matriz da Lousã, onde se manteve até aos dias de hoje. Joaquim Duarte acaba por ficar como único proprietário do espaço, fazendo depois sociedade com os dois filhos José Luís e Rui Duarte, que aprenderam a arte com o pai desde muito cedo.
“Comecei tinha uns 14 anos, fiz o ciclo preparatório e depois não quis continuar a estudar. O meu irmão já lá estava, era mais velho do que eu, e fui para lá também”, contou José Luís, hoje com 81 anos de idade. O seu irmão, que mais tarde viria a ser conhecido como Rui “da Gráfica”, sempre demonstrou a sua amizade pelo nosso jornal, sobretudo nos tempos iniciais, em que a gráfica ainda era propriedade do seu pai. Em 1986, Rui Duarte formou sociedade com outros trabalhadores da arte e ali ficaria “praticamente a vida toda até quatro ou cinco anos antes de falecer”, em agosto de 2018.
Processos manuais e a censura
Outrora não havia computadores nem programas de paginação para compor e criar publicações como o Trevim. Tratava-se de um processo manual e mecânico de grande esforço e complexidade, isto para quem não sabia da arte.
Conta José Luís Duarte, que o jornal se fazia antigamente “com ‘tipos’, umas peças de chumbo com letras, que juntas formavam palavras e o texto. Ia tudo junto para os componadores, onde se fazia a junção das letras, e depois ia para as galés, e assim iam-se formando os artigos”.
A censura assumia um sério constrangimento na produção do jornal. “Depois de todo feito, tínhamos que enviar provas, por correio, à comissão de censura, em Coimbra, que fazia cortes, e eram muitos na altura”, conta José Luís Duarte, editor do Trevim até 1973, depois de este cargo ter sido, entretanto, legalmente extinto.
“Era um problema arranjar artigos para tapar os buracos. Inventávamos com anúncios. Eram tempos difíceis. Tinha que ser desenrascado no momento e com artigos feitos com cuidado senão a censura fechava-nos o jornal”, conta. Relativamente à ligação indissociável do Trevim à Gráfica da Lousã, o pior veio a ser falta de dinheiro que obrigou à suspensão do jornal em março de 1970 para, reaparecer em julho do mesmo ano, na Gráfica de Coimbra, em formato ligeiramente mais pequeno. Manteve-se no entanto a vigilância da censura, que ficou como principal ‘inimigo’ do jornal.
Máquina oferecida à Câmara
Recorda José Luís Duarte que a Gráfica tinha uma máquina, “um monstro gigante, autêntica peça de museu”, que era do tempo do seu pai, onde eram impressos jornais mas também outros elementos gráficos, que foi oferecida à Câmara Municipal da Lousã. No entanto, a autarquia acabou por não recolher o equipamento.
Em declarações ao Trevim, o gabinete de comunicação da Câmara explicou que “na altura, pelas suas dimensões e logística inerente à montagem e desmontagem, a autarquia não dispunha de nenhum espaço para acolher a máquina em tempo útil face à urgência de retirada, tendo o processo sido conduzido pelos próprios proprietários da gráfica”.
Segundo José Luís Duarte, naquele tempo, surgiu a necessidade “de comprar máquinas mais modernas e o espaço em que estava instalada a ‘peça de museu’ era preciso”. O negócio para aquisição de novos equipamentos “já estava feito e a máquina tinha que sair dali dentro de um dia ou dois. O meu irmão teve que a desmontar, foi uma pena”, contou. Era uma máquina especial, por onde o Trevim também passou, que pedia habilidade para colocar o papel. “Tínhamos um empregado que era mais antigo na casa, que estava habituado a outras máquinas, tentámos pô-lo a fazer aquilo mas ‘está quieto ó mau’.
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