Para além e para aquém da extensa e já assinalada cintura de pinhal da Serra da Lousã (a que se chamava, simplesmente, a florestal), continuava a haver, com acontecia desde há milénios, mato. De vez em quando, surgia um magote de oliveiras, admiráveis na sua resistência e inspiradoras da cantiga popular. Era assim pelas bandas do Trevim e do Santo António da Neve e pelas bordas das aldeias serranas vindo até ao sopé da Serra, onde já se cultivava o centeio e algum milho e começava a haver pinhal, mais vulgarmente, designado por pinheiral, da propriedade dos locais (ou do conde de Foz de Arouce).
Este mato estendia-se por grande parte da Serra. Era constituído por plantas de pequeno porte, que iam desde o tojo picador até à carqueja de almofada, passando pela urze que dava a rija torga, que, com o Miguel, deu um autêntico pseudónimo.
Mas este mato, mantinha-se curto e até raro porque tinha dois inimigos demolidores.
Um, eram os rebanhos com centenas de cabras (maneiras e de cornos curtos e simétricos) que, em quase todos os dias do ano, vagueavam pela serra ao som do chocalho, dos berros do pastor ou dos latidos dos cães, devorando, sem parar, e erva e as demais jovens plantas que iam brotando de uma terra que não era fértil, mas também não era estéril. Saíam das lojas de cada um dos donos, juntavam-se, escolhiam a direção que lhes aprouvesse e atacavam em tudo o que era vegetal. Regressavam ao Sol pôr e, sem hesitação, cada uma ia para o seu curral descansar. Com o seu bafo, iam aquecendo o andar do dono o que, no Inverno, era bem necessário, para derreter a neve, que caia com frequência e chegava a entrar pela junção das telhas ou das lajes. Claro, para além do bafo, davam o leite e, por fim a carne para a “lapardana” (agora, chama-se chanfana) e, para os odres, davam a pele.
Outro, eram os roçadores, que procurando os melhores sítios e, por vezes, em acesas disputas, à enxada o rapavam e compunham-no em molhos (não se falava em feixes). Como gigantes, traziam-no, serra abaixo, às costas ou em carros de mão ou de bois, sempre em grande esforço e maior perigo. Era este mato que depois de servir de cama (e não só) aos animais domésticos, originava o estrume, que adubava as terras de semeadura.
Ainda com as antes referidas torgas se fazia, no alto da Serra, o carvão (vegetal, obviamente). Aqui os heróis eram os carvoeiros (e as carvoeiras, que, como a oliveira da serra, deram o mote a outra cantiga popular). O carvão era vendido na Vila, (ou seja, na Lousã), em Coimbra e até na Figueira. Destinava-se a alimentar os fogões e as braseiras, mas já começava a ter a concorrência do petróleo e até da eletricidade. E, creiam, ia em carros de bois, já que o tempo não apertava e o comboio (a vapor) saía mais caro.
Os rebanhos, os roçadores e os carvoeiros acabaram, e o mato passou a ser matagal, pela razão que se explicitará no capítulo seguinte.
Alcides Martins
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