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Uma viagem por terras do Ceira e Alva – 1.ª parte

José Avelino Gonçalves

Agosto dardejava nas ruas empoeiradas da Lousã. Ao fundo da Rua do Palácio uma carvoeira, pequena, atarracada, alombava com uma saca de carvão. Dois cães muito escanzelados, de goela seca e língua pendurada, protegiam-se nas sombras frescas e monárquicas da residência de D. Maria da Piedade Salazar, a futura viscondessa do Espinhal. Um edifício renovado, encorpado, que aproveitou velhas construções pertença da família. O quartel general do exército anglo-luso por aí aboletou.

José Daniel de Carvalho, que fora nomeado pároco colado na Igreja de S. Martinho de Tavarede, estava de visita à sua terra. Aproveita a visita do mano João, perdido nos confins do Atlântico, em terras de Vera Cruz, que lhes traz a ideia da fundação dum hospital e uma gorda e anafada saca de libras. As famílias mais ricas da vila acarinham, contribuem, começam as obras.

Nessa tarde, o padre Montenegro estivera recolhido, em oração na capela do Santíssimo. Rezava pela boa sorte dos pobrezinhos. A cólera grassava já na encosta serrana, estendia-se até terras de Alvoco e Loriga. É tão contagiosa que entrando casa adentro raro será alguém escapar. No lugar de Vilarinho, na ruazinha empedrada que segue para a Fonte Godinha, existe um pobre casebre em ruínas. Uma família numerosa, muito pobre, infectada pela febre. Os da Junta da Paróquia e o bom do padre foram encontrá-los já fora desta vida, muito agarradinhos, deitados na mesma cama, só de palha! Em testemunho de apreço pelos seus serviços à Igreja e ao Estado, especialmente pelos actos de coragem e devoção cívica que praticou por ocasião das febres, é agraciado com a medalha dos Cavaleiros da Ordem Militar de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Sai da igreja mais descansado, mais crente! Junto ao edifício da Câmara, que também alberga a Justiça, cumprimenta o novo juiz de direito. O bacharel João António Alves de Carvalho e Silva vem das terras de Basto. Combinam a ida ao Teatro. Passava “As Profecias do Bandarra”, levadas à cena por um grupo de estudantes de Coimbra!

O padre Montenegro almoça regaladamente na companhia do mano João e dos escritores Brito Aranha e M. Pinheiro Chagas. Preparava-se um livro dedicado ao novo hospital da Lousã, a construir junto ao sitio chamado Fonte dos Moiros. À entrada do repasto, umas lascas perfumadas do saboroso presunto, acompanhado de um saboroso queijinho de “chévre”, da Quinta de S. Luís no Freixo. O espírito combativo de D.  Caetana Maria da Encarnação Matos Ferrer, falecida no dia sete de Outubro de 1852, na idade de mais de cem anos, ainda por ali pernoitava!

João Elisário de Carvalho Montenegro transpirava de felicidade, amaciava estes sabores no palato.  Lá fora, o sol deixara o terraço e a quinta verdejava na grande doçura do ar tranquilo, sob o azul−ferrete. As vistas da sua serra enchiam-lhe a alma! Que saudades desta terra e das suas gentes! Os criados, de coletes brancos, traziam um vaporoso arroz de galinha! Algumas nódoas de vinho tombavam sobre a alva toalha adamascada. O “brasileiro” preferia o branquinho das encostas soalheiras de Foz de Arouce.  Afogueado, passava o lencinho nas dobras encharcadas do pescoço, ligeiramente bronzeado pelo sol de terras de Vera Cruz.

Falava-se do desenvolvimento do país, das novas obras, do caminho de ferro que estava já por terras da Bairrada, do monumental deficit das contas públicas e do abandono do interior.  A estrada da Beira, muito enfezadinha, muito esburacada, parou na ponte de Mucela! O reverendo padre enrolava devagar, pausadamente, o guardanapo, a sua batina coçada luzia nas pregas das mangas. Murmura uma injúria, muito cantada, muito beata, contra toda a classe política, em especial contra os deputados do círculo! Uma corja, uns vendidos, que apanham o comboio em Coimbra e depressa se esquecem de quem os elegeu. Pede ao escudeiro que lhe traga o último jornal chegado da Covilhã.

Nas primeiras páginas, o redactor Moraes Sarmento, transcreve um estrondoso escrito, acerca do traçado do caminho de ferro de Coimbra a Almeida, nascido da pena do seu grande amigo, Augusto Filipe Simões, redactor principal do jornal “A Folha do Sul”, bacharel formado nas Faculdades de Filosofia Medicina, pela Universidade de Coimbra. Um homem que fora médico do partido municipal do concelho de Gois nos anos de 1860 a 1862. No ano seguinte vai pegar-se de amores com o jovem bacharel e jornalista Eça de Queiroz.

 

Leia a crónica completa na edição n.º1498 do Trevim.

Autor: admin_trevim

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