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A República e os figos do Santo Amaro da Rogela

 

Aquela hora, enquanto o padre António Lopes Cortez Fróis dormitava, S. Pedro das Moitas era devassado. Arrolavam-se todos bens da Igreja de Vilarinho…. até os cueirinhos do Menino levaram! A canícula daquele mês de Agosto de 1911 esturrava as mioleiras do grupinho republicano. Uma lufada de ar muito fresco, muito religioso, sossega-lhes os calores.

Nos altares laterais, a Senhora do Rosário e S. Miguel cocam os profanadores. Um grupo de devotas, já entradotes, muito rezadeiras, atiram olhares de censura aos inimigos da religião. Os que queriam prender os santinhos e escavacar a religião haviam de cair vestidos e calçados no Inferno.

Todos aqueles cavalheiros, de resto, se queixavam de calor. Levavam os gorgomilos secos. O malvado do padre Fróis nem um copo de água lhes oferecera. O Adriano ao sair da igreja, bufando, como oprimido, atira com estas palavrinhas rancorosas: – É um dever, um santo dever, sobretudo para os senhores priores, colaborarem com a Republica. Este ainda vai ter problemas!

No caminho público que leva ao centro do lugar e à Senhora das Preces, no sitio da Demigalha, uma fonte muito fresca espera os profanadores. A fonte, aconchegada no muro, mostrava a pedra vermelha de Alveite. Ao cimo, as letras J. T. identificam, talvez, o artista que em 1890 talhou a pedra. À entrada, umas alminhas dão o toque sagrado à água que jorra das suas entranhas.

Os inventariadores da cousa republicana chegam ao lugarzito da Rogela. A tempestade encharcava todo o grande vale. A capelita, dedicada ao Santo Amaro, afamado pelos seus milagres e pela sua romaria, aconchegava-se no meio do lugar.

A guardiã do santo e da cera, Comba de Jesus, uma bonita raparigaça de vinte e oito anos, muito afogueada, limpava um soberbo cálice de prata, preparava-o para a Santa Eucaristia. Na grade com pregos, que encostava à imagem de Santo Amaro, mostravam-se os milagres de cera.

O representante do senhor administrador ruminava um figo pingo de mel, muito doce e sumarento; – Calhava bem uma aguardente, dizia, com a boca cheia. Todos se riram com a piada de S. Ex.ª, que num respiro se engasga. A coisa foi-lhe para o goto!

O Francisco Nunes, um homem nascido nas terras de Fiscal, bate-lhe com fartura nos costados republicanos. Expulsa os restos do figo, que a república quer para si. Com a sua voz cavernosa dá um estrondoso “Viva” à Monarquia. Não resiste, resmunga entre dentes:

-É o que sucede a quem não tem temor de Deus e se mete com os figos do Santo Amaro!

 

José Avelino Gonçalves

Autor: Jornal Trevim

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