As raízes ancestrais deste grande vulto do comércio local, nascido na Lousã a 19 de abril de 1926, vamos encontrá-las, pelo lado paterno, no sudoeste da Alemanha, mais precisamente no contorno de um dos maiores lagos da Europa, conhecido neste país germânico por Bodensee. Foi ali, na bonita cidade de Constância (zona a balizar o país helvético), que outrora se desenvolveram parte dos seus antepassados. Falamos do conceituado comerciante lousanense, Ataíde Antunes Erse. O seu característico trejeito, uma versão de miscibilidade entre o humor, a seriedade e a cortesia, confirmam, em nossa opinião, a sua genealogia.
Ainda no decorrer da década de 50 do século transato, ao entrarmos de olfato apurado (ao lado de nossa mãe) no seu estabelecimento junto ao antigo hospital, volvidas que são sete décadas, parece-nos regressar à pituitária todo aquele aroma do açúcar amarelo, então empacotado em sacos de linhagem e que sua mãe Isaura Antunes, com esmerada afabilidade, nos servia em embalagens de papel pardo. Também os pacotinhos de colorau, café etc., eram aviados pela sua geratriz, nesse tempo de condicional ecologia.
Ligeiramente ao lado, no sentido norte (ligada por uma passagem interior), ficava a drogaria, onde se podiam adquirir diversificados artigos de bricolagem, liderada nos últimos anos pelo funcionário Pedro da Conceição Gomes “Espanhol”, nascido na Lousã a 23 de dezembro de 1939, outrora conhecido saxofonista da nossa Filarmónica.
O senhor Ataíde, responsável pela persuasão ao freguês, em duas palavras “músico no seu negócio”, assumia a secção de tecidos e malhas, coadjuvado por sua esposa Maria Lúcia Gonçalves (1930/2021), senhora de extrema lhaneza, natural do Casal E. Santo. Sabemos (pela sua filha Teresa e irmão João António) que seus pais viveram instantes de felicidade, sorvidos trago a trago, antes e depois de pensionados. Difundia o lar, além do seu inerente humor, uma imutável ligação conjugal…
Mas! Ele há sempre um mas, nas vivências passadistas. A vida de Ataíde Erse nem sempre foi um mar de rosas, um mundo de encantamento. Seu pai, João Erse Coelho, que possuía então uma mula, ficou conhecido na Lousã (numa simples mudança de termos) por João da Burra, nome primordial desta casa. Seu filho, por razões de subsistência, viria a conhecer precocemente o excessivo rigor da vida. Com a mula e a carroça, transportava para os concelhos limítrofes, Góis, Arganil, etc., mercadorias e passageiros, chegados aqui através do caminho de ferro. O percurso era longo e esforçado, especialmente para o animal que não aguentava o regresso, obrigando o dono a pernoitar nos recônditos do trajeto.
A vida foi tão simples ou tão difícil para este lousanense, como a queiramos ajuizar. Decisivo nas suas convicções (o alemão é assim) após uma luta de sobrevivência, assume, por volta de 1947, o célebre estabelecimento de seu pai, na Rua Dr. Pires de Carvalho, nº 38.
Seu jocoso e enorme coração desistiu de lutar, a 29 de março de 2013.
Tinhas nos olhos o ócio / Na boca a persuasão / E uma vida de negócio / Sulcada no coração…
Carlos Ramalheiro
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