Quem conhece José Luís Caetano Duarte? Muita gente, com certeza, no distrito de Coimbra como um pouco por todo o país. Porém, na Lousã natal, talvez a maioria o identifique de outro modo. No concelho, quem não conhece Zé Luís da Gráfica? É deste lousanense, de 84 anos, que falamos nesta edição comemorativa dos 57 anos do Trevim. Ele foi, afinal, um dos fundadores deste jornal, em 1 de outubro de 1967.
Zé Luís da Gráfica, ‘nome de guerra’ de um homem de paz que nasce na Travessa, em 1939, quando os carateres metálicos do universo de Gutenberg passam a encher os jornais com notícias da enorme tragédia que foi a II Guerra Mundial, até 1945.
Em 2024, o irmão de Rui Duarte e filho de Joaquim Duarte, ambos falecidos, bem pode representar a longa tradição da imprensa local e das artes gráficas, a par do legado republicano e democrático dos primórdios do século XX e do 25 de Abril de 1974.
Oriundo de Vilarinho, Joaquim Duarte, seu pai, foi durante décadas dono da Gráfica da Lousã, primeiro na Travessa.
A oficina nasceu em 1929, por iniciativa dos republicanos José Maria Cardoso, Eugénio Lucas Amaro e Ulisses Cortês (este depois aderiu ao Estado Novo), para retomar a impressão do jornal ‘Alma Nova’, “cartilha dos opositores da monarquia”, como o definiu há poucos anos José Ricardo Almeida.
Tudo começou na rua Miguel Bombarda, na loja onde Zé Luís trabalhou mais tarde na área da encadernação, quando já se desligara da Gráfica da Lousã, que numa segunda fase laborou durante décadas na praça Cândido dos Reis.
“Eram três da manhã quando, em 3 de novembro de 1939, nasci na Travessa”, conta o filho de Maria Adelaide e Joaquim Duarte, em entrevista ao Trevim, no Café Central, sem esconder o antigo gosto pela boémia e boa camaradagem.
“Sempre fui farrista e noctívago. A alegria no corpo era constante”, afirma.
O pai “é que não gostava muito” das andanças do jovem José Luís. “Nunca me bateu, apenas me aconselhava”, refere.
Após concluir a quarta classe, Joaquim Duarte matriculou-o no colégio. Só que o filho, em vez de ir às aulas, “ia para o Pedro 100 jogar matraquilhos” com os colegas, graceja.
“O meu pai tirou-me de estudar e aos 14 anos fui trabalhar para a Gráfica”, revela, para recordar que, em 1967, Pedro Júlio Malta e Fortunato de Almeida insistiram para que fosse ele o editor do Trevim: “como estava ligado às artes gráficas, chatearam-me” para ter uma responsabilidade idêntica à que o pai assumira no ‘Alma Nova’, que deixou de ser publicado em 1939, poucos meses antes de a parteira Lusitana garantir ao menino Zé Luís um nascimento sem sobressaltos.
Nos primeiros anos de publicação do Trevim, “noitadas nunca aconteciam” no fecho de cada edição. “Mas os artigos chegavam atrasados, era tudo à última hora”, reconhece.
Com os cortes da censura fascista, era necessário “muitas vezes” refazer ou mesmo eliminar textos inteiros.
Até que um dia, cansado de tantos entraves, Joaquim Duarte imprimiu nas páginas centrais uma frase do tipo “este número foi visado pela Comissão de Censura”, o que lhe valeu ser interrogado pela PIDE, em Coimbra.
“Foi complicado. Eu e Pedro Malta [primeiro diretor do Trevim] tínhamos ficha na PIDE por causa do jornal”, adianta José Luís Duarte, confirmando que o progenitor, nascido em 1903, “foi sempre republicano”. Muito jovem, o tipógrafo Joaquim, futuro diretor do ‘Alma Nova’, foi iniciado nos valores do 5 de Outubro de 1910!
Cinquenta e sete anos depois da criação do Trevim, Zé Luís da Gráfica reafirma que esta “voz nova para uma Lousã renovada” é “muito importante” para o concelho e para os lousanenses da diáspora.
“É preciso, fundamentalmente, que a comunidade dê o seu contributo e os assinantes paguem sempre”, defende.
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