Há uma aversão ao património antigo que paira sobre o concelho da Lousã há já algum tempo. É algo que facilmente se deduz pelo acumular de episódios que, a meu ver, vão empobrecendo a nossa terra, que assim se vai tornando num sítio cada vez mais descaracterizado, desprovido de identidade e, consequentemente, de interesse. Falo de um conjunto de decisões desta autarquia que me parecem inclusivamente desfasadas das linhas orientadoras que já são há algum tempo traçadas pela própria União Europeia ou por vários municípios do nosso país que são sensíveis à ideia de que o “antigo” deve prevalecer em contexto de obras de requalificação que os centros históricos possam vir a ser alvo. Basta sair do nosso concelho ou do nosso país para perceber isso.
Enumero apenas algumas, para no fim chegar aquela que foi a gota de água que fez transbordar o copo. Poderia aqui questionar-me sobre o atual ponto de situação da triste ideia de retirar as clássicas janelas do edifício da câmara municipal para colocar aquilo que lá está, ou poderia até abordar a dita requalificação da praça Cândido dos Reis, em frente à igreja matriz, onde retiraram os bancos que lá estavam para colocar uns atarraxados aos muros em que as pessoas nem podem repousar, nem depois de terem tentado dar um jeito naquilo. E o que dizer daqueles bancos antigos, confortáveis como os outros, onde era um prazer nos encostarmos para relaxar um pouco, junto ao tribunal, por vezes ponto de encontro de vários amigos de terceira idade, que foram também arrancados dali para fora para dar lugar a uns novos, cuja maioria nem encosto têm, deixando assim de servir aqueles que mais os usavam? Mas será que ninguém pensou nisto?
E o que dizer dos murais feitos nos exteriores da Nave de Exposições e do Museu Etnográfico Dr. Louzã Henriques, que nada têm a ver com a nossa terra? Para qualquer olhar atento, a imagem da serra nada se identifica com a nossa, e as casas que estão pintadas no museu mais parecem, como muita gente diz por cá, “a zona ribeirinha do Porto”.
Haveria ainda a acrescentar a remoção da calçada que havia nas ruas Dr. Pires de Carvalho e rua do Comércio por umas pequenas lajes de cimento que mais parece que foram feitas para peões, pois tão facilmente se partem, ficando logo à vista de todos, em pouco tempo, a má opção aí tomada, a que se somam aqueles pinos tão “clássicos” no coração do nosso centro histórico.
Em meados de 2021, a “arte e saber-fazer da calçada portuguesa” foi inscrita no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial com vista, inclusivamente, a ser apresentada uma candidatura na Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO, na sigla em inglês) para que a nossa calçada portuguesa seja igualmente Património Cultural Imaterial da Humanidade. Tentamos valorizar o que é nosso, quiçá até internacionalizar esta nossa arte.
Mas aqui parece que a Lousã está em contraciclo com o que se deveria fazer nos dias que correm. Nos passeios, temos agora lajes de cinzento em tonalidades diferentes, fruto de empreitadas ou de fornecedores também distintos, num estranho e muito deprimente padrão de cinzentos. É em prol disso que se arrancaram os passeios de calçada portuguesa. Agora, em mais uma empreitada de repavimentação do centro, dando como exemplo a pequena praça em frente à agência do Novo Banco, num certo dia vejo uma máquina escavadora a retirar a calçada portuguesa que tinha até uma bela decoração. Tudo foi levado dali para fora. Pensei que iriam proceder a uma qualquer intervenção, mas que depois esse mesmo piso iria ser devidamente reposto. Para meu enorme espanto e indignação, deparo-me com mais placas de cimento a serem colocadas no seu lugar. Era mau demais para ser verdade. Será que essa opção se prendeu por ser mais barata, exigir menos tempo e mão de obra ao mesmo tempo que se dá uma ideia de obra feita? Não consigo perceber tamanha falta de tanta coisa. E será demagógico contraporem-me com um “é melhor isto do que o que estava”.
Por este andar, será de supor que, numa próxima intervenção deste âmbito, se retire toda a calçada do jardim em frente à câmara municipal e se coloque mais um moderno tapete de blocos de cimento, para assim criar uma uniformidade que deixou de predominar na nossa vila.
Em 2004 fiz parte de uma comitiva que se deslocou a Prades, fruto da geminação com essa vila francesa. Visitámos um gabinete dessa autarquia encarregue de velar pelo traço característico da sua terra, para assim preservar a sua identidade e a valorizar num mundo que a globalização tornou cada vez mais homogeneizado. E o resultado era belo de apreciar. Sublinho: há duas décadas. Por cá, nós estamos assim, a fazer uma política de tábua rasa que se arrisca a destruir o ativo turístico que ainda temos, o que não deixa de ser um profundo contrassenso face a qualquer objetivo a médio prazo.
Uma terra sem história, ou sem apreço pelo seu património e identidade é uma terra sem futuro. É qualquer coisa insossa, sem graça e sem espírito. É o vazio. Talvez um dia as gerações vindouras venham pedir explicações ou mesmo responsabilidades pelo que se destruiu no passado. Talvez algo até venha a ser corrigido futuramente. Mas o pior é que já errámos na década de 80 e parece que não aprendemos nada com isso.
Partilho estas palavras com os meus concidadãos lousanenses por um imperativo pessoal, estritamente cívico, desligado de outro tipo de interesses, até porque gosto de salientar que não vivo da, nem para a política.
Realmente é muito triste perder tão bela calçada que nos caracteriza. Tem que haver alternativas e manter o nosso património, mesmo que seja mais oneroso. E parece que as alternativas implementadas, pelo menos algumas, ainda se partem e ficam desalinhadas e perigosas mais facilmente!…