
Todos os sistemas de governo foram concebidos para obter e manter a obediência dos governados. Os que desempenham ou se propõem desempenhar as funções de governantes, só por exceção têm como preocupação principal o desempenho do papel de servidores de uma conceção de bem-comum em que todos sejam política e socialmente iguais. E por isso é que a estrutura e mecanismos do aparelho do Estado são concebidos em ordem a, na medida do possível, proporcionar aos que se declaram servidores do povo, ou se disponibilizam para seu guias, privilégios à medida que é suposto terem os méritos exigidos pelas funções desempenhadas.
Porém, o que se proclama como devoção, merecimento pelo serviço prestado, consciência e satisfação do que é usual designar por cumprimento de um dever cívico, acaba quase invariavelmente por ter para a coletividade um preço elevado, que é costume não cessar com o termo do exercício das funções. E não são apenas as veneras e as honras. Também outras benesses, de expressão material, para cuja atribuição não é hábito funcionar o princípio da equidade.
Ao longo da história, poderão contar-se pelos dedos os que, desempenhando cargos políticos sob a invocação do serviço à comunidade, se retiraram logo que verificaram que outros podiam fazer melhor, e se contentaram com os réditos menores que teriam se não tivessem exercido cargos políticos, e reocuparam o seu lugar de efetivos cidadãos comuns – que, sem sofismas, todos são.
A regra é que os privilégios, que caracterizam o exercício de funções políticas, e cuja única justificação é de caráter funcional, encontram um prolongamento mais ou menos senhorial, porque os que passam pelas cadeiras da sede de exercitação do Poder juntam à volúpia conferida pela titularidade do cargo a convicção de que passam a ter direito a benefício genético pela nova estirpe adquirida.
A história, com os fatos que conhecemos, mostra que quem alguma vez, inebriado pelos instrumentos do Poder, julgou também sê-lo pensa, ou faz parecer que deixou de ser como “os outros”.
O regime democrático, sem embargo do que consta dos textos, ainda não deixou de ser um instrumento de domínio, de obtenção de obediência, conquanto de modo diferente das outras formas de governo e, aliás, menos perigosa para os que governam.
Apesar disso, ocorre-me lembrar e partilhar, que alguns negócios do Estado, pela sua natureza opaca e complexa, acabam por fornecer refúgio a toda uma série de facilitadores, atualmente denominados de influencers, que gravitam em torno da administração com um apetite voraz.
Neste contexto as formas de influência indevidas sobre os atores responsáveis pelos processos de decisão fazem-se com frequência através das mais variadas expressões: desde o lobbying, promessa/garantia de futuro emprego, passando pelo pagamento de “comissões” e por donativos políticos (partidos, candidatos).
A ajudar, a ineficiência e a morosidade burocrática, que muitas vezes deriva de práticas de recrutamento e promoção sem mérito, orientadas por interesses familiares ou partidários, constituem outras dimensões que colocam o País à mercê de todos os comportamentos abrasivos do interesse público, desprestigiando a noção de “missão de serviço público”.
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