Passo o portão do Parque Carlos Reis e ela está sentada, ao fundo, num banquinho de jardim. De verde, vem toda vestida de verde, muito natural no seu afável semblante.
Aproximo-me e ela sabe que sou eu, porque só posso ser eu, sorrindo-lhe com a constante alegria que tenho para partilhar.
Não houve momento de quebra-gelo, pois os nossos olhares sentiram terreno fértil para a cumplicidade.
E o que sabia eu dela? Que tinha nascido em África e que ia ser uma das minhas mulheres, vindas de longe.
Encetámos uma conversa fluente, sempre animadas pela vivacidade das palavras que ela proferia e eu absorvia.
Nasceu em Angola, mais propriamente numa aldeia perto de Benguela. E se, na infância, mar, rio, pedras e cordas, eram suficientes à sua brincadeira, foi crescendo a dizer, interiormente, não!
Viveu com mãe e irmãos, de quem não conheceu suficiente afeto e, ainda menina, foi para Benguela, para casa de uma tia, continuando a sentir défice de carinho.
No início deste milénio, pequena mulher feita, rumou a Portugal com familiares do seu país natal, uma vez que o seu desejo era sair de um continente que nada lhe tinha verdadeiramente dado, face ao sentimento de pertença.
Curiosamente foi aqui ao lado, em Casal de Ermio, que iniciou a sua vivência europeia, trabalhando, estudando, experimentando, pesquisando, até ter podido passar a viver sozinha, num quartinho de aluguer, de uma Lousã de que tanto passou a gostar.
Fez-se à vida, como se diz, pois além do trabalho fora de casa, começou a explorar o mundo do tecido, do pano de África, e deu início à criação das suas próprias peças. Acarinhada e apoiada pela Incubadora Social Microninho, abriu uma página do Facebook, Pano d’África, passando a vender o que produz artesanalmente, bem como a aprimorar cada vez mais as suas técnicas.
Entretanto, ultrapassando a experiência de uma vida solitária, passou à vivência a dois, a três, a quatro, a cinco… Nazarete casou com um homem europeu, da Rússia, que há muito se perdia de encantos por ela… Deste casamento nasceram três filhos e tornou-se mais feliz, com uma família de enriquecedora multiculturalidade
Voltar a África? Sim, para passear. Nada mais!
É aqui que se sente bem, é aqui que a sua vida ganhou muito mais sentido. Aqui trabalha, aqui cria os seus filhos, em partilha com o seu amor, sempre arrojada, sempre renovada.
Na Lousã, ouve e dança a música de África, que nunca foi, estranhamente, o seu verdadeiro lugar.
Maria Laranjeira
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