Aguardo por um transporte que teima em não surgir no coração da cordilheira montanhosa Kopet Dag, que ao longo de 650 quilómetros marca uma divisão centenária com o outrora império russo, que chegou a estes arrabaldes após a conquista do canato de Kokand e do Emirado de Bucara em 1868. Aqui, a fronteira é mais do que um arame farpado entre dois Estados diferentes. Estou a cruzar a linha que separa dois impérios com etnias, religiões e memórias históricas muito distintas. E deixo também os caracteres árabes para abraçar o alfabeto cirílico trazido pelos soldados do czar Alexandre II.
Entro para um autocarro onde reina a boa disposição nos passageiros. Alguém que arranha o inglês assume-se como intérprete do grupo e lança-se nas perguntas do costume. A entrada de Ashgabat é monumental. Pelo vidro do táxi por que paguei 10 dólares para me trazer para o coração da capital, centro-me na arquitetura, tão espalhafatosa, de uma cidade que detém, já por si, o record da maior aglomeração de edifícios de mármore do mundo. Prova disso, é a mirabolante coleção de construções que merecem uma espreitadela no Google imagens, como a maior roda gigante em mármore do planeta (que alberga no seu interior cinemas, pista de bowling, restaurantes e um planetário), o maior edifício em forma de estrela ou, também, outro em forma de uma ave (o aeroporto). O Monumento à Neutralidade assemelha-se a um foguetão, mas o Palácio dos Casamentos leva a taça pela exuberância da sua forma. Ashgabat é uma bizarra miscelânea de Las Vegas com Pyongyang. Gurbanguly Berdimuhamedow aspira a ser o ditador “special one” da Ásia Central, pelo que tem uma fixação doentiamente vincada pelos records do Guiness. Não é pelo Índice de Desenvolvimento Humano que pretende dignificar o seu país, mas sim pela quantidade de feitos nesse livro mundialmente conhecido.
Longas avenidas de quatro vias em cada faixa de rodagem rasgam uma paisagem de prédios de mármore que se prolongam para lá do meu horizonte. Tudo é novo, magnânimo e destila vaidade de novo-riquismo. D. João V aplaudiria de pé este “grande irmão” asiático. Mas com o passar do tempo vou sendo tomado pela desconfiança em relação a todo este show off que me rodeia. Os prédios abundam, mas vida é coisa que não se vislumbra, algo que é notório à noite, quando as suas luzes supostamente deveriam estar acesas como sinal de presença humana. Ninguém, ou quase ninguém os habita, concluí.
As estradas são linhas desérticas de asfalto por onde passam, pontualmente, os velhos autocarros públicos e alguns veículos ligeiros de cores claras. Tudo não passa de um amontoado de infraestruturas que, na realidade, estão muito fora do alcance, ou usufruto da população. Esta cidade idílica sabe-me a propaganda para estrangeiro ver, pois quem aqui vive sabe muito bem o que a casa gasta. A magnificência é insuflável, como se fosse uma refinada amostra de produto para exportação.
A realidade confunde-se com ficção neste faraónico número de ilusionismo. Tudo isto parece que existe, tudo isto é triste, tudo isto é falso.
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